Eleições em Roraima: nada de novo, ainda

15 09 2014

Precisamos investigar por que é tão difícil o avanço do debate político em Roraima. Apesar de termos tanta gente valorosa, inteligente e capaz, falta uma cultura de debate, de criticidade, de questionamento do senso comum. Acre, Amapá e Rondônia também foram territórios federais, mas já há vários anos tem uma sociedade civil mais organizada e movimentos sociais mais robustos, o que faz com que existam alternativas políticas um pouco mais à frente que nossa classe política jurássica. Em Roraima, a discussão política pouco avança e continua rasa como um pires com água que uma formiguinha atravessa com água pela canela, como diria Nelson Rodrigues:
1. Pela enésima vez, vemos em Roraima gente que critica o candidato X por incompetência, graves acusações de corrupção, grilagem de terras, endividamento do estado etc. Mas muitas dessas mesmas pessoas pensam que a única alternativa é o candidato Y, que já estrelou escândalos nacionais de corrupção (Gafanhotos etc.) e tem tantas encrencas com a lei quanto o candidato X. Outros ainda apoiam o vice de X, como se não tivesse nada a ver com tudo o que aconteceu no estado nos últimos anos. Ao serem lembrados do caso Gafanhotos, apoiadores do candidato Y tem a desfaçatez de justificá-lo, dizendo que é normal roubar dinheiro público. Terceiros candidatos, que existem, são ignorados.

2. Há décadas o movimento estudantil sofre com descontinuidade, oportunismo e individualismo; apesar de alguns poucos ativistas que compreendem criticamente o todo e fazem uma luta coerente, outros personagens despontam com cobranças justas (mas pontuais e inconsequentes) para em seguida aliar-se ao que há de pior na política do Estado. A nova versão desse trampolim foi o mimetismo desorientado das manifestações de junho de 2013, desencadeadas em outras capitais por lutas históricas de esquerda como a do MPL, mas que em Roraima agregaram muitas pessoas com ideias extremamente reacionárias sobre criminalização do aborto, criminalização da maconha, mídia, educação, direitos LGBT etc. Ou seja, na contramão de todo o movimento contestatório no mundo. Essas pessoas, que continuam a dizer “que nenhum partido presta”, procuraram vaga imediatamente em qualquer legenda de aluguel para se candidatar ao parlamento (que “não presta”), em 2014.

3. Ainda há enorme relutância em se aceitar princípios republicanos básicos, como o concurso público: a adoção atrasada do concurso público no início dos anos 2000 ainda é vista por muitos como a grande tragédia do estado, e periodicamente aparecem “heróis” propondo emendas constitucionais para trens da alegria que deem estabilidade a pessoas não concursadas.

4. A categoria docente é uma das maiores do estado e tem o maior sindicato de RR. Ainda assim, vários professores votam e militam a favor de candidatos que, ou já massacraram a categoria, ou não assumem absolutamente qualquer compromisso com gestão democrática e financiamento da educação. Temos denúncias gravíssimas de problemas com o próprio Instituto de Previdência dos servidores, mas mesmo assim há pouca cobrança e pouca mobilização (apenas alguns poucos e bravos lutadores de muitos anos, apanhando muita porrada). Resultado: não temos influência no Conselho de Educação nem temos eleições para diretores, um atraso de 30 anos.

5.A bancada de Roraima na Câmara Federal, lamentavelmente, votou majoritariamente contra a PEC do trabalho escravo. Mais um vexame nacional para Roraima. Mas, ao contrário da bobagem do Fiuk, sobre a qual houve milhares de manifestações de repúdio nas redes sociais, praticamente NINGUÉM se importou com o fato de que a maioria de nossa classe política milita CONTRA o combate ao trabalho escravo.

6. As questões da mineração, dos direitos indígenas, da ameaça de uma hidrelétrica no Bem-Querer, a apuração dos escândalos na Saúde, na Educação, no Iteraima, no IPER, dos repetidos escândalos da terceirização, que deveriam estar no centro das atenções, parecem simplesmente não existir. Na maioria das vezes, quem fala sobre estas eleições parece que vive em outro planeta. Apoia A ou B por ser seu amigo, mesmo que esteja em um partido extremamente corrupto. Assim como há dois anos o péssimo transporte público de Boa Vista não foi pauta da campanha municipal. Difícil explicar isso.
Neste ano eleitoral, vemos que a conversa sobre política em Roraima (com raras exceções) continua um diálogo de surdos, que não avançou nem um milímetro em relação à velha idolatria do coronel Ottomar. Mas nem tudo se resume a esse aspecto lamentável da realidade. Alguns grupos de estudantes e professores, de trabalhadores e indígenas, de ativistas LGBT, alguns sindicatos livres, aqui e ali, sustentam um debate que ganha qualidade. Essa luta, que mostra a importância da organização coletiva e a futilidade de tantas manifestações despolitizadas, individualistas e voluntaristas, não vai ter resultados hoje, nesta eleição. Como dizia o narrador de O Germinal, no anticlímax de uma derrota dos trabalhadores, mesmo quando tudo parecia perdido e parecia impossível mudar aquela ordem social:

“Agora, em pleno céu, o sol de abril brilhava em toda sua glória, aquecendo a terra que germinava. Do flanco nutriz brotava a vida, os rebentos desabrochavam em folhas verdes, os campos estremeciam com o brotar da relva. Por todos os lados as sementes cresciam, alongavam-se, furavam a planície, em seu caminho para o calor e a luz. Um transbordamento de seiva escorria sussurrante, o ruído dos germes expandia-se num grande beijo. E ainda, cada vez mais distintamente, como se estivessem mais próximos da superfície, os companheiros cavavam. Aos raios chamejantes do astro rei, naquela manhã de juventude, era daquele rumor que o campo estava cheio. Homens brotavam, um exército negro, vingador, que germinava lentamente nos sulcos da terra, crescendo para as colheitas do século futuro, cuja germinação não tardaria em fazer rebentar a terra” (Emile Zola).

Há potencial, mas precisamos nos organizar e criar uma cultura de debate e formulação de propostas alternativas.

Há potencial, mas precisamos nos organizar e criar uma cultura de debate e formulação de propostas alternativas.